A flexibilização da regra de fidelidade à bandeira

15 de maio de 2022 6 mins to read
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No fim do Governo Lula, em 2008, houve uma partidarização dos órgãos regulatórios. Por influência do SINDICOM (antiga PLURAL), o sindicato ligado às grandes distribuidoras , a Agência Nacional do Petróleo (ANP) proibiu que um posto bandeirado comprasse combustível de distribuidor de outra bandeira.

Caro leitor, é importante lembrar que as refinarias e usinas de álcool também estão proibidas, por norma regulatória da ANP, de venderem combustíveis diretamente aos postos de combustíveis.

Ou seja, a Petrobras é a maior fornecedora do país. Obrigatoriamente tem que vender para as distribuidoras, e estas irão vender para os postos.

A proibição da venda direta, em conjunto com a regra do embandeiramento, criou a necessidade de se ter, de modo obrigatório, a figura da distribuidora como um intermediário nessa cadeia.

Em outras palavras, o Brasil é um dos únicos países no mundo a obrigar que exista um agente intermediário na cadeia de formação de preços dos combustíveis, independentemente se isso é preciso, ou não, pelas regras de mercado.

Fazendo um rápido comparativo com os Estados Unidos, país em que o preço dos combustíveis raramente sofre variações e é um fator irrisório dentro do orçamento da população, não existe qualquer regra estatal que imponha a necessidade de existir a figura da distribuidora, ou de fidelidade à bandeira.

E o lucro das distribuidoras?

Não estamos dizendo que não existem distribuidoras nos EUA. Elas existem, mas apenas quando há uma real necessidade de mercado. Ou seja, o posto é livre para comprar combustível diretamente da refinaria ou de qualquer distribuidora que escolher.

Isso permite que as reduções de preços praticados nas refinarias sejam imediatamente repassadas ao consumidor, já que os postos não estão amarrados a uma obrigatoriedade de compra de apenas um distribuidor.

No Brasil, a figura obrigatória da distribuidora e a regra da fidelidade à bandeira criaram uma verdadeira reserva de mercado.

O leitor já se perguntou por que as diminuições de preços pela Petrobras nunca chegam aos postos? Simples. Porque essas diminuições são representadas pelas grandes distribuidoras, aumentando a sua margem de lucro.

Um dos maiores argumentos utilizados pelas grandes distribuidoras para justificar a regra da fidelidade à bandeira é a pretensa melhora nos índices de qualidade dos combustíveis – ou seja, o combustível dos postos bandeirados seria melhor do que o vendido nos de bandeira branca, que têm liberdade para comprar de quem quiser, desde que não tenham uma bandeira fixa.

Tanto é verdade que, caso o leitor tenha a curiosidade de olhar o EBITDA das maiores distribuidoras após 2008, verá que as margens aumentaram exponencialmente, sobretudo durante os anos em que a Petrobras sofreu forte prejuízo por estar vendendo combustível abaixo do preço de paridade internacional.

O mercado do combustível

Não poderia haver equívoco maior. Em verdade, essa é uma das mais bem sucedidas campanhas de marketing das últimas décadas, pois conseguiu induzir praticamente toda a população brasileira a acreditar em algo que é mera falácia para quem conhece o mercado: a tal da “gasolina batizada”.

Independente da empresa distribuidora, 98% dos combustíveis nacionais têm exatamente a mesma origem: a Petrobras. Não importa se um posto é bandeirado ou bandeira branca, a origem do combustível (e a sua qualidade) será a mesma.

Aliás, aqui vale ser transparente: advogamos para uma refinaria que, em tese, é concorrente da Petrobras – se é que é possível usar essa expressão, quando o maior player tem mais de 90% do mercado.

O índice de qualidade é ainda mensalmente acompanhado pela própria ANP, basta o leitor procurar por “Boletim de monitoramento da qualidade dos combustíveis” no site da agência – cujos relatórios comprovam que não há diferença entre a qualidade do posto bandeirado e do bandeira branca.

Dito isso, também queremos trazer ao conhecimento do leitor que o atual momento é um dos mais importantes para esse quadro ser revertido. A ANP – hoje guiada por critérios técnicos – está discutindo o fim da regra atual de fidelidade à bandeira.

Preço do Combustível

Estima-se que os preços seriam reduzidos em, pelo menos, 10% imediatamente após a mudança da regra. É dizer: imagine que, após um mero ato do Executivo ou do Congresso Nacional, os preços dos combustíveis caíram 10% no dia seguinte.

Isso é algo que nenhuma das medidas atualmente discutidas no Executivo ou no Congresso Nacional consegue alcançar – e sem prejudicar a arrecadação do Estado.

A medida mais simples, efetiva e prática a ser tomada, traria inúmeros benefícios para os consumidores, para revendedores, pequenas e médias distribuidoras, Petrobras e o próprio mercado brasileiro.

E mais: a redução nos preços dos combustíveis também provocaria um efeito cascata em praticamente todos os setores da economia, reduzindo os preços de alimentos, eletrodomésticos, bens de consumo e quaisquer outros.

Melhoraria, inclusive, os índices inflacionários, e não pense que isso é exagero literário. O nosso modal logístico é quase que exclusivamente rodoviário.

Em termos didáticos, uma redução de 10% no preço do diesel ou gasolina diminuiria imediatamente o custo de transporte de quase todos os bens em razão do frete, reduzindo, por consequência, o valor final de venda ao consumidor.

Por óbvio, essa medida enfrenta forte resistência por parte das grandes distribuidoras – únicas beneficiárias dessa regra. Porém, o ambiente político-econômico atual, marcado pela tecnicidade nos órgãos regulatórios, é propício para implementar essa mudança.

Assim, se o Governo Federal, o Congresso Nacional ou a ANP pautarem a atenção e priorização do bem-estar dos consumidores, não haverá dúvidas que essa regra atual da fidelidade à bandeira será reformada.

O momento é ideal para a mudança da regra, visto que a própria ANP está em vias de voltar a permitir a regra de liberdade da bandeira, o que colocaria o Brasil em paridade com os modelos econômicos amplamente comprovados na prática internacional (vide o caso dos EUA). E, definitivamente, priorizaria um ambiente de negócios mais competitivo e melhor para o consumidor brasileiro.

*Ricardo Andrade Magro e Gustavo O. de Sá e Benevides são advogados