A abertura do mercado dos combustíveis e o gigantismo de um novo player

15 de maio de 2022 6 mins to read
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Em mercados altamente regulados, como o de combustíveis, a palavra final sobre grandes negociações é do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que tem tomada de decisões importantes, seja quando o assunto é cartel ou concentração.

O mercado de etanol terá mudanças em agosto, cuja análise e o crivo cabem ao CADE, o que não nos impede de alertar sobre os riscos do ponto de vista jurídico, em relação à concorrência e a respeito dos aspectos legais previstos nas recentes medidas provisórias editadas pelo governo federal.

O plano de fundo, tanto das MPs quanto das grandes movimentações no mercado, é o mesmo. Há enormes pressões em relação ao preço do combustível. As quais, muitas vezes, são antagonistas.

Os interesses mais claros são os do poder público e dos consumidores, que buscam a redução dos valores. Já os mais difusos e complexos são os dos acionistas e do mercado de capitais.

Medida Provisória dos Combustíveis

No fim de agosto, a Vibra Energia, antiga BR Distribuidora, e a Copersucar anunciaram ao mercado a constituição de uma Empresa Comercializadora de Etanol (ECE), com potencial real de minar a concorrência no mercado de combustíveis.

O comunicado tem importantes alertas, pois a celebração de uma joint venture dessa natureza criará a maior ECE do Brasil, alterando as estruturas do mercado de combustíveis com efeitos negativos sobre usinas, distribuidores, revendas de combustíveis (postos de gasolina) e, consequentemente, todos os brasileiros.

É nesse contexto que o governo editou a Medida Provisória 1.063, depois sucedida pela MP 1.069, que causou uma pequena revolução no mercado de combustível — goste-se ou não. E aqui iremos nos ater ao etanol.

Na prática, as usinas poderão vender diretamente ao posto, eliminando, assim, o custo de frete e a camada de lucro das distribuidoras.

No papel, é algo realmente interessante como forma de reduzir o preço. Mas uma única empresa pode colocar tudo isso em xeque, porque em um só lance, terá condições de controlar 40% de todo o mercado.

Produção das Cooperativas de Etanol

A Copersucar, uma gigante global que atua em negócios de açúcar e etanol, é a maior cooperativa do país, reunindo 20 grupos econômicos, donos de 34 usinas de cana-de-açúcar espalhadas por São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás.

A cooperativa produz, sozinha, 40% do etanol comercializado no país, cuja produção será integralmente adquirida pela nova comercializadora, com o também biocombustível comprado pela Vibra Energia, maior distribuidora de combustíveis e lubrificantes do Brasil, em volume de vendas.

A ECE proporcionará notável poder econômico a esses agentes, que hoje operam nos diferentes níveis da mesma atividade. A integração vertical permitirá o controle absoluto sobre quem compra, onde compra e qual o preço que será pago no etanol produzido no país.

Por consequência das óbvias barreiras que a exclusividade pretendida irá gerar e pelas políticas comerciais discriminatórias que surgirão, há sérios riscos de supressão regional da concorrência, dificultando a entrada de outros players por meio do controle absoluto dos preços ao consumidor.

Concentração de Mercado

O momento não poderia ser mais inadequado para a segurança energética nacional e, por consequência, um duro golpe no mercado.

Isso porque ocorrerá após a edição da medida provisória, introdutora de um novo arranjo regulatório, que estreitou o mercado cativo dos distribuidores de combustíveis ao prever a possibilidade de venda de etanol diretamente pelos produtores (as usinas).

A escalada dos preços e a retirada da desoneração tributária do etanol anidro importado, que equaliza a incidência tributária entre o produto nacional e o importado, pesam sobre aqueles que demandam o biocombustível originado da cana-de-açúcar.

Isto acaba por mitigar a capacidade dos demais players de sobreviver em um cenário em que se veem obrigados a adquirir combustíveis somente no mercado interno.

Se implementada da forma pretendida, a joint venture inviabiliza economicamente vários pequenos negócios, já que os demais agentes de mercado não encontrarão no plano local alternativas competitivas de abastecimento de etanol.

Priorização de Players

Apesar da comunicação indicar que a ECE será livre para comprar e vender etanol, e não somente com as usinas da cooperativa, a joint venture acaba por criar uma gigante artificial que atuará nas duas pontas do mercado.

Não deveria ser permitido o controle de um agente pelo outro, sendo nítido que a atuação será prioritariamente voltada para atender as demandas da distribuidora acionista, em detrimento dos demais players.

O cenário tende a ser mais grave na região Centro-Sul, já bastante concentrada pela atuação da Raízen (outra gigante, oriunda da joint venture da Shell com a COSAN), uma das maiores produtoras de etanol do país. Ela é também integrante do seleto grupo (ou oligopólio, como definido pelo próprio CADE) constituído pelas três grandes distribuidoras de combustíveis do Brasil.

Em suma, a produção e a comercialização de etanol na região Centro-Sul passarão a ser um verdadeiro duopólio, violando dois dos princípios constitucionais da ordem econômica no Brasil: a livre concorrência e o direito do consumidor.

Análise de Sugestões

A ECE, isoladamente, pode até parecer um bom negócio para um determinado player, e isso é perfeitamente corriqueiro em nosso capitalismo, sempre cabendo ao CADE o crivo e a imposição de eventuais remédios à operação.

Mas, dentro do atual contexto, em nada favorece a política nacional de distribuição de combustíveis, traz malefícios aos elementos formadores de preço, com impacto direto sobre o consumidor final, além de inviabilizar as medidas provisórias.

Cria-se uma anomalia no mercado de distribuição de combustíveis, em afronta às políticas públicas que intencionam liberalizar e melhorar o ambiente de negócio no setor.

O objetivo é analisar as ideias para mudar esse cenário do alto preço do combustível. Uns vão gostar, outros nem tanto. Mas nenhuma sugestão, em nenhum lugar do mundo, incluiu concentrar o mercado.