A venda das refinarias da Petrobras está sendo alvo de uma verdadeira batalha jurídica, política e econômica.
O processo se encontra suspenso por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), onde três dos atuais onze ministros já se posicionaram contra a venda dos ativos.
O debate no STF envolve o fato de que, por decisão da própria corte, em 2019, na ADI 5624, as privatizações de companhias holdings só poderiam ser feitas com a aprovação do Congresso Nacional, enquanto que a venda do controle de subsidiárias seria livre.
Em agosto deste ano, o Congresso Nacional peticionou nos autos da ADI 5624, contestando a manobra da Petrobras de desmembrar sua holding em “subsidiárias-ponte”, cujo intuito seria apenas a venda de ativos.
Seria uma forma de evitar a necessidade de obter aprovação pelo parlamento e tangenciar a regra estabelecida em 2019 pela Suprema Corte.
Embora a Petrobras não tenha se manifestado acerca desta questão procedimental em específico, defende as privatizações sob o argumento de que traria um mercado mais aberto, competitivo e diverso, sendo benéfico para o desenvolvimento nacional.
Já explicamos em outro artigo a falácia em que consiste essa afirmação, seja porque essas privatizações irão apenas criar monopólios regionais ou seja porque o momento atual é o pior possível para a venda, dada a mínima histórica em que se encontra o crack spread.
Sem adentrar no mérito da discussão do STF, é bem transparente o fato de que a Petrobras está criando estas subsidiárias-ponte para contornar a decisão da Corte.
Gostaríamos de abordar o tema do fomento à concorrência e à industrialização por outra vertente, ao invés de nos atermos ao debate da privatização das refinarias como meio de incentivar a indústria e a concorrência.
Explicaremos como o Brasil poderia se adaptar e utilizar o modelo americano de fomento da indústria do petróleo, que provocou um “boom” na economia americana entre os anos de 1973 e 2015.
Em 1973, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) impôs um embargo à exportação de Petróleo para os EUA e outros países que eram pró-Israel durante o conflito Árabe-Israelense do mesmo ano.
A OPEP também fez um corte drástico na produção de petróleo, provocando um significativo aumento no preço do barril.
Em resposta, o Congresso Americano aprovou o 1975 Energy Policy and Conservation Act, proibindo em geral a exportação de petróleo bruto (crude oil), excetuadas algumas hipóteses específicas como forma de garantir o abastecimento interno do país.
Embora o intuito principal tenha sido o abastecimento, a restrição de exportação de petróleo bruto acabou provocando uma reviravolta no desenvolvimento industrial americano, que viu o seu parque de refino se modernizar em uma velocidade sem precedentes.
A razão é simples: embora o crude oil pudesse ser vendido apenas internamente, os derivados de petróleo podiam ser exportados sem qualquer tipo de limitação (i.e., gasolina, diesel, feedstocks, naphtha, aromáticos etc.).
A indústria americana, antes focada na extração do crude, voltou-se para a criação e modernização de refinarias capazes de processar os milhões de barris de petróleo produzidos diariamente.
Isso tornou os EUA um grande exportador de derivados, que obviamente possuem valor agregado e um spread bem mais significativos.
Fato é que desde a imposição dessa medida as refinarias americanas bateram recordes sucessivos na exportação de gasolina e diesel, conforme se vê no gráfico a seguir:
O desenvolvimento industrial e tecnológico do parque de refino americano está diretamente ligado à medida de vedação à exportação de petróleo bruto.
Não seria encontrada a mesma disposição no meio empresarial para investir de forma tão maciça na capacidade de refino, se não fosse essa medida.
E não poderia ser diferente, já que o incentivo financeiro e comercial para construir, expandir ou modernizar as refinarias só ocorreu com a baixa no preço do petróleo bruto interno provocado pela proibição de exportação.
A proibição da exportação diminuiu consideravelmente o número de potenciais compradores, forçando a baixa do preço do petróleo para um patamar inferior ao preço internacional. É a clássica lei da oferta e da procura.
Com isso, criou-se uma arbitragem financeira e econômica para os grupos empresariais americanos ou estrangeiros que quisessem participar do mercado americano.
Ao investirem na construção de novas refinarias, eles poderiam comprar o petróleo interno a um preço mais barato do que comprariam no mercado internacional, reduzindo seus custos para a produção de produtos refinados.
Por conseguinte, esses produtos poderiam ser exportados a um preço menor do que o praticado no mercado internacional ou, alternativamente, em concorrência de preços, porém garantindo uma lucratividade maior para as refinarias americanas, o que permite investir, ainda mais, na modernização do parque. Essa foi a arbitragem financeira e econômica gerada pela proibição de exportação do crude.
Embora alguns possam alegar que a redução no preço do crude foi feita de maneira artificial, já que foi causada pela proibição de exportação, não há dúvidas que foi um incentivo essencial para o desenvolvimento industrial dos EUA.
Foi essencialmente um planejamento de longo prazo, ainda que houvesse algum efeito negativo pela redução do preço do crude (e.g., perda de receita momentânea).
Isso seria vastamente compensado pelo desenvolvimento industrial provocado e pelo forte aumento nas exportações de derivados – produtos significativamente mais valiosos que o petróleo bruto.