Os EUA obtiveram benefício direto ao se proteger contra os efeitos da chamada “doença holandesa” (dutch disease). Esse é o nome dado ao fenômeno econômico causado por grandes descobertas de recursos naturais (i.e., commodities, como o petróleo).
Embora provoque, no curto prazo, um aumento no PIB do país, acaba por aniquilar o setor industrial e agrícola.
A designação desse fenômeno provém dos efeitos que a descoberta de gás natural no Mar do Norte provocou na Holanda. Embora essa descoberta tenha causado um aumento imediato no PIB do país, devastou a sua manufatura e o seu setor agrícola.
Países exportadores de petróleo bruto comumente experimentam algum nível de doença holandesa, causada principalmente pela gestão ineficiente do influxo massivo de receitas em dólar, derivados da exportação. Na verdade, a doença holandesa é quase inevitável em países cujo principal produto de exportação é o petróleo bruto.
Na medida em que recursos estrangeiros ingressam como forma de pagamento pela exportação, a taxa de câmbio do país começa a se valorizar, fazendo com que as exportações fiquem mais caras e as importações mais baratas.
Devido à valorização da moeda, a indústria e a agricultura local começam a ter dificuldades para exportar (i.e., diminuição do spread cambial) e até mesmo para produzir internamente (i.e., o custo de fabricação aumenta).
Ocorre que esse tipo de inflação afeta apenas a parcela da população que não partilha dos lucros provenientes da exportação de petróleo – ou seja, quase que a totalidade dos habitantes – que veem os seus custos aumentarem, sem que sua receita os acompanhe.
A doença holandesa aniquilou os setores industriais e agrícolas de inúmeros países exportadores de petróleo bruto, tais como Argélia, Colômbia, Equador, Nigéria, Trinidad e Venezuela.
Em todos os casos, apesar do crescimento econômico fomentado pelas receitas de exportação do crude, a perda de empregos e oportunidades na agricultura e na indústria impôs severas dificuldades para a maior parte da população, sobretudo os membros mais pobres da sociedade.
No caso do Brasil, um exemplo dos efeitos da doença holandesa foi o período vivenciado entre 2002 e 2010, quando o governo brasileiro sustentou todo o crescimento interno com base na exportação do preço do petróleo bruto – à época, extremamente lucrativo (e.g., o barril chegou a ultrapassar os US$ 100).
Em razão desse influxo de recursos provenientes da exportação do crude, o país sofreu exatamente as consequências da doença holandesa, tornando-se ultra dependente dessa receita.
Quando os preços do barril voltaram à normalidade (e.g., US$ 40), o país imediatamente entrou em crise econômica, pois não tinha uma indústria nacional apta a manter os níveis de exportações e de derivados.
Para os EUA, a vedação à exportação do crude serviu como uma barreira contra estes efeitos negativos, já que as receitas provinham de derivados (e não do crude).
A economia se torna muito menos propensa a sofrer com a variação do petróleo bruto, pois a margem de lucratividade dos derivados geralmente se mantém (i.e., o spread de refinados acompanha a variação do barril de petróleo bruto).
Em 2015, a proibição de exportação foi cancelada pelo Congresso Americano. O fundamento principal foi a descoberta do Petróleo de Xisto (shale oil), extraído a partir de fragmentos de xisto betuminoso.
Elevou massivamente os níveis americanos de produção interna de petróleo, acabando com a justificativa inicial de abastecimento interno.
O Congresso Americano também ponderou que, por ter passado mais de 40 anos com a regra da vedação à exportação de crude, a indústria americana era forte e desenvolvida suficiente, assim não foi afetada, pois o parque de refino americano é um dos mais avançados do mundo.
Trazendo a regra acima para a realidade brasileira e para a discussão acerca da privatização das refinarias da Petrobras, seria extremamente benéfico para o desenvolvimento interno se o governo federal adotasse uma vedação progressiva da exportação de petróleo, como forma de obrigar o incentivo à indústria nacional.
Caro leitor, não estamos propondo que haja uma vedação imediata à exportação – até porque isso seria uma catástrofe em termos econômicos, mas que seja criada uma quota máxima de exportação de crude.
O limite poderia ser regressivo no tempo, ou uma correlação entre o valor de investimento no país e o número de barris permitidos para a exportação.
”70% da produção total no 1º ano, 60% no 2º ano, 40% no 3º ano etc. – ou que fosse proporcional ao valor de investimento feito no país.”
Existem inúmeros meios de adaptar o modelo americano para a nossa realidade.
Tudo depende da formatação que os agentes governamentais decidam adotar.
Um exemplo é a implementação de uma política de incentivo à exportação de derivados, pautada na proibição progressiva de exportação de petróleo bruto.
Seria um passo vigoroso em direção à modernização do parque industrial nacional.
Ousamos dizer que poderia ser alcançada no médio prazo (3 a 8 anos).
Exemplificando: poderíamos criar uma quota de exportação (em percentual ou em números brutos) que fosse sendo diminuída no tempo e permitir que cada exportador venda X% do valor investido na modernização do parque de refino nacional.
Se a exportação de derivados se tornar um projeto prioritário para o governo federal, não há dúvidas que haverá uma revolução nas regras atuais de mercado, cujos benefícios, diferentemente da exportação de petróleo bruto, serão partilhados por todos.
O governo federal vem adotando diversas pautas positivas para o país. Caso o modelo de desenvolvimento da indústria americana do petróleo seja adaptado à nossa realidade, o Brasil seguramente estará no caminho certo.
Deveríamos caminhar nesse sentido, ao invés de focar em privatizações de refinarias da Petrobras, o que apenas criará monopólios regionais, visto que nenhuma delas foi construída para competir com as outras.
Deveríamos nos concentrar em incentivar a criação de novos players no mercado – medida que efetivamente contribuiria para o aumento da concorrência e para a abertura do mercado.